Hoje eu quero falar de dor. É, de dor. Da dor de ver minha mãe, linda e inteligente, reduzida ao estado em que está, sem saber que dia é, que meu pai morreu há quinze anos, que a cuidadora de doze foi-se embora. Eu tenho muitas coisas para contar, desde horários para tomar suplementos até minha estadia numa clínica ayurvédica na Índia, mas não dá para falar de outra coisa. Da preocupação, da tristeza, do trabalho não pago e tão necessário que tenho de fazer.
Ela era totalmente senhora de si até a cuidadora ir embora. Esta foi porque perdeu seu filho de 33 anos por causa desconhecida – não sabemos até hoje se foi aneurisma ou tumor cerebral, porque não houve autópsia – e porque não podia tomar conta de outra pessoa quando estava completamente arrasada. Entendo perfeitamente e minha mãe racionalmente também, mas o emocional falou mais forte e ela entrou num quadro demencial do qual está difícil sair.
Levei-a ao psiquiatra, ao geriatra, à ginecologista. Fisicamente ela está muito bem, mas a cabeça está confusa, delira. Hoje ela me perguntou se meu pai havia morrido. Tive de dizer que sim, e lá se vão quinze anos. A nova cuidadora disse que ela chorou e imaginem como me senti ao ouvir a pergunta. Pois é.
Por isso acho, queridas amigas, que por mais que a medicina nos prometa vida longa e saudável, temos de nos preparar para esse tipo de coisas. Nada nos protege da vida e do sofrimento.
E nessas horas temos de respirar fundo e ter sobretudo compaixão, que é o mais difícil. Lembrar-me de tudo o que ela fez por mim e ser grata por isso. E rezar para que quem sabe ela volte ao normal.